Lei Anticorrupção e o papel da RH
Em tempos em que a reputação corporativa pode ser
afetada por um simples deslize ético, a Lei Anticorrupção (Lei nº
12.846/2013) tornou-se um pilar essencial da governança empresarial no
Brasil. Mas o que muitos esquecem é que, para além de políticas formais e
códigos de conduta, a efetividade da lei depende diretamente da gestão de
pessoas.
Neste artigo, vamos explorar como o setor de
Recursos Humanos pode (e deve) ser um aliado estratégico no cumprimento da Lei
Anticorrupção, promovendo ética organizacional, integridade e prevenção de
riscos reputacionais.
O que diz a lei anticorrupção?
Aprovada em 2013, a Lei Anticorrupção permite que empresas
sejam responsabilizadas objetiva e administrativamente por atos de corrupção
praticados por seus colaboradores, terceiros ou parceiros comerciais ainda
que a alta gestão não tenha participado diretamente.
Segundo o jurista Modesto Carvalhosa, especialista
em direito empresarial, “a Lei 12.846 inaugura no Brasil uma nova era de
responsabilidade corporativa, em que o controle ético precisa ser
institucionalizado.”
Isso significa que o comportamento ético não pode
depender exclusivamente do caráter individual, ele deve ser sistematizado em
políticas, práticas e cultura organizacional e é aí que o RH ganha um papel
central.
Por que o RH é peça-chave no combate à corrupção?
A gestão de pessoas está na linha de frente da
cultura organizacional, é o RH quem recruta, seleciona, integra, treina e
avalia os colaboradores, moldando a maneira como os valores da empresa são
vividos no dia a dia.
Ao assumir uma postura proativa, o setor de
Recursos Humanos pode:
- Prevenir
comportamentos antiéticos desde a contratação
- Promover
um ambiente de transparência e responsabilidade
- Sensibilizar
líderes e equipes sobre os riscos legais e reputacionais
- Fortalecer
programas de integridade e compliance
Como destaca Hélio Gomes Coelho Júnior,
ex-presidente da Comissão de Compliance da OAB-SP: “É nas ações cotidianas das
pessoas que a corrupção se estrutura. Combater isso exige uma gestão de pessoas
alinhada com a integridade.”
Sinais de alerta: quando a cultura permite brechas para irregularidades
Nem sempre a corrupção aparece como grandes
esquemas ou fraudes milionárias, muitas vezes, ela começa com pequenos
comportamentos tolerados:
- Uso
indevido de recursos corporativos
- Reembolsos
forjados ou inflados
- Favorecimento
de fornecedores ou familiares
- Omissão
de informações ou manipulação de dados
- Silenciamento
de irregularidades por medo de retaliação
Esses sinais, quando não enfrentados, abrem caminho
para infrações maiores e expor a empresa a multas que podem chegar a 20% do
faturamento bruto anual, segundo os artigos da própria Lei Anticorrupção.
Boas práticas de RH para promover integridade e conformidade
1. Recrutamento com foco em valores
Desde a entrevista, avalie não apenas as
competências técnicas, mas também o alinhamento do candidato com os
princípios éticos da empresa, técnicas como entrevistas por competência e
análises comportamentais ajudam a identificar perfis com maior aderência à
cultura de integridade.
2. Onboarding ético e transparente
O processo de integração deve incluir treinamentos
sobre a Lei Anticorrupção, o código de conduta e os canais de denúncia,
além de deixar claro que a empresa tem tolerância zero com atos ilícitos.
3. Capacitação contínua sobre ética e compliance
Treinamentos periódicos são fundamentais e não
apenas obrigatórios e burocráticos. Promova workshops, palestras com
especialistas e simulações de dilemas éticos para tornar o tema mais
próximo da realidade dos colaboradores.
4. Avaliação de desempenho com critérios éticos
Inclua indicadores de comportamento ético nas
avaliações de performance e promoções. Integridade precisa ser mensurável e
recompensada, assim como a competência técnica.
5. Canais de denúncia eficazes e seguros
Ofereça um canal de denúncia anônimo e imparcial,
com garantia de não retaliação, mais importante que o canal em si, é criar
confiança de que a denúncia será tratada com seriedade e justiça.
6. Liderança como exemplo
Gestores e diretores precisam ser os primeiros a
praticar os valores que pregam. “A cultura organizacional é aquilo que os
líderes fazem não o que está escrito nos murais”, afirma Stephen M.R. Covey,
autor de The Speed of Trust.
Casos emblemáticos e lições aprendidas
Empresas como a Petrobras, JBS e Odebrecht
estiveram no centro de escândalos de corrupção que evidenciaram a importância
de uma cultura ética consolidada, em todos esses casos, houve falhas
em sistemas de controle interno e ausência de fiscalização sobre o
comportamento da liderança.
Por outro lado, empresas que investem em programas
de compliance bem estruturados e gestão ética têm colhido resultados
positivos, um exemplo é a Siemens, que após escândalos de corrupção, reformulou
sua governança e se tornou referência mundial em integridade corporativa.
Como integrar a lei anticorrupção ao cotidiano do RH
O papel do RH não é apenas reativo, mas formador
de consciência ética dentro da organização. Para isso, é importante:
- Trabalhar
em conjunto com o departamento jurídico e de compliance
- Atualizar
políticas internas conforme a legislação vigente
- Promover
a escuta ativa e feedbacks constantes
- Estimular
comportamentos éticos desde o topo até a base da pirâmide organizacional
Integridade começa com pessoas
A Lei Anticorrupção trouxe ao Brasil um novo olhar
sobre a responsabilidade das empresas diante de atos ilícitos, mas nenhuma lei
é eficaz se não for incorporada no dia a dia das pessoas que fazem a empresa
acontecer.
Por isso, cabe ao RH não apenas cumprir normas, mas
inspirar uma cultura baseada em ética, transparência e responsabilidade,
afinal, como lembra Peter Drucker, “a cultura devora a estratégia no café da
manhã”. E a cultura é feita de gente.