A saúde mental no trabalho deixou de ser um tema
secundário e tornou-se prioridade estratégica nas organizações que desejam
crescer de forma sustentável. A Norma Regulamentadora 1 (NR1), revisada
recentemente, traz diretrizes que reforçam a responsabilidade das empresas na
gestão de riscos ocupacionais, inclusive os psicossociais, e abre espaço para
um debate essencial: como as empresas podem promover ambientes emocionalmente
saudáveis, alinhados com a legislação e as boas práticas de gestão de pessoas?
O que é a NR1?
A NR1 — Disposições Gerais e Gerenciamento de
Riscos Ocupacionais estabelece as diretrizes para o gerenciamento dos riscos no
ambiente de trabalho, com foco na prevenção de acidentes e doenças
ocupacionais. Após sua atualização em 2020 (vigente desde agosto de 2021), a
norma passou a incluir o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e o Programa
de Gerenciamento de Riscos (PGR), exigindo das empresas uma postura mais
ativa na identificação, avaliação e controle dos riscos, inclusive aqueles que
afetam a saúde mental dos colaboradores.
Segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, “o
novo formato da NR1 valoriza a cultura de prevenção e promove a autonomia dos
empregadores na gestão de seus riscos, com responsabilidade e compromisso”.
O que a NR1 tem a ver com saúde mental?
Embora a norma não mencione diretamente termos como
“ansiedade”, “estresse” ou “burnout”, ela exige que a organização identifique todos
os riscos que possam comprometer a saúde do trabalhador, incluindo os fatores
psicossociais. Isso abrange jornadas excessivas, metas inalcançáveis,
assédio moral, ambientes tóxicos, entre outros.
Segundo o psicólogo e autor Christophe Dejours, referência mundial em
Psicodinâmica do Trabalho, “o sofrimento psíquico no trabalho surge quando
há um desequilíbrio entre as exigências da organização e a capacidade subjetiva
de lidar com elas”. Assim, uma empresa que não considera os riscos
emocionais de seu ambiente está em desacordo com os princípios preventivos da
NR1.
Impactos da saúde mental no ambiente corporativo
O impacto da saúde mental nos negócios é
mensurável. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão
e a ansiedade custam à economia global cerca de US$ 1 trilhão por ano em
perda de produtividade. No Brasil, uma pesquisa realizada pela ISMA-BR apontou
que 72% dos profissionais sofrem com algum nível de estresse no trabalho.
Além disso, o número de afastamentos por
transtornos mentais vem crescendo. Dados do INSS indicam que doenças como
depressão, transtornos de ansiedade e síndrome de burnout estão entre os
principais motivos de licenças médicas nos últimos anos.
Como integrar a saúde mental ao PGR (programa de gerenciamento de riscos)?
Implementar o PGR com foco também na saúde mental exige uma abordagem prática e humana. Veja alguns passos fundamentais:
- Mapeamento de Riscos
Psicossociais
- Utilize questionários
anônimos e entrevistas para identificar fatores que afetam o bem-estar
emocional.
- Observe setores com alto
turnover ou taxas elevadas de afastamento médico.
- Capacitação de Líderes
- Líderes precisam ser
treinados para identificar sinais de sofrimento emocional.
- Uma liderança empática e
preparada é chave para prevenir agravamentos.
- Políticas de Comunicação
Clara e Transparente
- Ambientes onde a
comunicação é deficiente tendem a gerar insegurança psicológica.
- Promover feedbacks
construtivos e escuta ativa são práticas recomendadas.
- Apoio Psicológico
- Empresas podem investir em
programas de apoio psicológico, parcerias com clínicas, ou mesmo
implantar escutas internas.
- Um exemplo é o programa
“Bem-estar na Medida”, da Natura, que oferece acompanhamento psicológico
aos colaboradores.
- Flexibilidade e Jornada
Humanizada
- Possibilitar modelos
híbridos, horários flexíveis ou pausas regulares pode reduzir
significativamente os níveis de estresse.
Dicas para os RHs colocarem em prática
- Inclua
saúde mental na pauta do GRO e do PGR como item prioritário.
- Crie
comitês multidisciplinares para discutir práticas de prevenção e
promoção do bem-estar.
- Mensure
indicadores,
como absenteísmo, produtividade e engajamento, cruzando-os com dados de
clima organizacional.
- Incentive
momentos de desconexão, como pausas conscientes, semanas do
bem-estar e campanhas educativas.
- Comunique
de forma estratégica: usar datas como o Janeiro Branco ou Setembro
Amarelo pode ser uma boa oportunidade de mobilização interna.
O papel transformador do RH
Aline Nascimento, especialista em Saúde
Organizacional e colunista da HSM Management, afirma que “o RH precisa sair
do papel operacional e atuar como guardião da saúde emocional nas empresas.
Isso significa influenciar políticas, capacitar lideranças e promover uma
cultura de acolhimento”.
De fato, o RH moderno deve atuar como ponte entre a
estratégia da empresa e as necessidades humanas de seus colaboradores. É
preciso garantir que os processos de gestão estejam em conformidade com as
exigências legais da NR1, mas também com os princípios da saúde integral no
trabalho.
Conclusão
A saúde mental deixou de ser um tema isolado para
se tornar uma das grandes prioridades da gestão estratégica de pessoas. A NR1,
ao incluir os riscos psicossociais no PGR, obriga as empresas a olharem para
essa dimensão com mais seriedade.
É tempo de ir além da conformidade legal: empresas
que cuidam da saúde emocional de seus colaboradores constroem ambientes mais
produtivos, sustentáveis e humanos. E, como nos lembra o psiquiatra Viktor
Frankl: “Entre o estímulo e a resposta existe um espaço. Nesse espaço está o
nosso poder de escolher a nossa resposta. E, na nossa resposta, está o nosso
crescimento e a nossa liberdade”.